sábado, fevereiro 27, 2010

Lamentável

Folha de São Paulo, sábado, 27 de fevereiro de 2010

Editoriais

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PELA QUARTA vez em seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dispôs a endossar, entre sessões de fotos, tapinhas nas costas e desconversas macunaímicas, o mais ditatorial regime do hemisfério americano.

Sua visita a Cuba, nesta semana, ocorreu num momento especialmente sombrio. O dissidente Orlando Zapata, depois de uma greve de fome de 85 dias, acabava de morrer. Ativista em prol dos direitos humanos, Zapata fora preso em 2003, numa investida repressiva que levou outros 75 opositores à prisão.

"Foi condenado a três anos", disse o dirigente Raúl Castro, adiantando-se às perguntas dos jornalistas que acompanhavam a visita de Lula. "Foi levado aos nossos melhores hospitais, morreu. Lamentamos muito."

O assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, ecoou solenemente as palavras do ditador: "É lamentável, como disse o presidente Raúl".

Há muita coisa lamentável, com efeito, nesse episódio. Lamentáveis, por exemplo, parecem ser os conhecimentos de aritmética de Raúl Castro, que não explicou de que modo alguém condenado a três anos de prisão em 2003 continuava entre as grades em 2010. Segundo a Anistia Internacional, a pena do dissidente se elevara a mais de 25 anos de detenção, com base nas prolíficas estipulações da legislação cubana para casos desse tipo.

O código criminal cubano prevê, por exemplo, o "estado de periculosidade", definido como "propensão de uma pessoa para cometer crimes, demonstrada por conduta manifestamente em contradição com as normas da moralidade socialista".

Manifestações consideradas ofensivas às autoridades constituem crime de "desacato", levando a um ano de prisão. Se voltado contra os principais dirigentes do regime, o "desacato" acarreta a triplicação da pena. A culpa pela morte de Zapata, prosseguiu Raúl Castro, deve ser atribuída "à confrontação que temos com os Estados Unidos".

A base de Guantánamo, onde o governo George W. Bush confinou suspeitos de terrorismo, seria o único lugar da ilha onde se pratica tortura. "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro", acrescentou placidamente Marco Aurélio Garcia.

É o clássico expediente de voltar contra outro país as acusações que se referem, especificamente, à tirania que se quer apoiar. É inegável que Bush maculou as tradições democráticas de seu país a pretexto da "guerra contra o terror". É também evidente que nunca faltou, nos EUA, liberdade para protestos contra o governo -coisa impensável sob o sistema castrista.

Fortalecer as relações comerciais com Cuba e apoiar a suspensão do contraproducente embargo norte-americano ao país são atitudes corretas da diplomacia brasileira.

Nada disso se confunde com a revoltante "ternura", para lembrar o célebre dito de Che Guevara, que o governo Lula "não perde jamais" quando se trata de emprestar apoio a um regime decrépito, ditatorial e homicida.

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Artigo da Folha e entrevista com Marina Silva na CBN Rio

Folha de São Paulo, sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Marina diz que governaria com "melhores" de PT e PSDB

Pré-candidata critica alianças que tucanos e petistas fizeram com partidos mais à direita

Senadora defendeu ainda Estado forte, mas não o modelo estatizante; ela contestou também ações de Dilma, de Lula e o PAC


ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

A pré-candidata do PV à Presidência, senadora Marina Silva (AC), afirmou ontem que pretende fazer um "realinhamento histórico", no qual quer governar "com os melhores do PSDB e os melhores do PT".
Marina participou da gravação do programa da Rede TV! "É Notícia", do repórter da Folha Kennedy Alencar. A entrevista vai ao ar à 0h15 da próxima segunda-feira.


"Enquanto o PT e o PSDB não conversarem, vai ficar muito difícil uma governabilidade [...] Devíamos ser capazes de estabelecer uma governabilidade básica, onde o PT e o PSDB digam: "Naquilo que é essencial para o Brasil, nós não vamos colocar em risco a governabilidade'", disse.


A senadora criticou as alianças dos dois partidos com forças políticas mais à direita. "O presidente Fernando Henrique ganhou sozinho e, para governar, teve que ficar refém do Democratas; o presidente Lula [ficou refém], dos setores mais retrógrados do PMDB. Isso não é bom para o Brasil", afirmou.


Marina disse ainda que sua candidatura representa um "leque de alianças sui generis", que não é de partidos, mas tem base na sociedade.


No núcleo da campanha de Marina, há defensores da ideia de que o PT e o PSDB são muito mais próximos, em termos ideológicos, do que as alianças que deram sustentação aos governos FHC (1995-2002) -PSDB e DEM- e Lula (desde 2003)- PT e PMDB.


Ao falar do papel do Estado, a senadora defendeu um "Estado necessário", que seja "eficiente, inteligente e transparente". Fez, entretanto, críticas ao modelo estatizante, e pregou um Estado "que saia cada vez mais da visão de querer ser dono de tudo e ainda do resto".


Marina fez críticas, às vezes veladas, em outros momentos escancaradas, à pré-candidata petista ao Planalto, a ministra Dilma Rousseff. Segundo ela, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), menina dos olhos de Dilma, "é uma colagem de vários empreendimentos", nos quais Estados e municípios também têm méritos.


As maiores críticas foram sobre a atuação de Dilma na cúpula do clima, em Copenhague, e em sua visão desenvolvimentista, que deixaria o meio ambiente em segundo plano. Nesse ponto, sobraram críticas também a Lula.


Marina afirmou não saber se o gesto de reforçar políticas ambientais -como a adoção de metas para redução de emissão de gases-estufa-, foi "fruto de aprendizagem" ou de medidas "conjunturais, por causa da disputa eleitoral de 2010".


Mesmo assim, elogiou Lula e seu governo diversas vezes durante a entrevista. Afirmou que o presidente foi "uma pessoa fundamental" na sua vida.


Marina fugiu de respostas objetivas mais de uma vez. Ao ser questionada se apoiava ou não a redução da jornada de trabalho para 40 horas, lembrou seu passado sindical, mas não confirmou. Também fugiu da palavra "ditadura", quando a questão foi sobre o governo cubano, apesar de afirmar que não se pode "relevar" princípios como a democracia e liberdade de expressão.


A política internacional pareceu ser uma área de grande divergência de Marina com o atual governo. Além de criticar Cuba, Marina se disse preocupada com o apoio brasileiro ao governo do Irã.



http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/politica/2010/02/26/OUCA-A-INTEGRA-DA-ENTREVISTA-A-LUCIA-HIPPOLITO.htm