segunda-feira, março 15, 2010

Por um país que se leve a sério...

Frases

Nenhum país se resolveu como desenvolvimento por um achado lotérico de recursos naturais. Pelo contrário, isso pode se tornar uma maldição. Veja a Venezuela -um país com extraordinária dotação de recursos naturais, energia e água, e que está racionando energia elétrica, água

Não me conformo em viver num país em que dezenas de milhões de trabalhadores não têm uma situação regular de emprego

(Entrevista com Eduardo Giannetti na Folha de São Paulo de 14 de março de 2010)

''Há visão de que o Estado tudo resolve, e o risco é a mexicanização do País''

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100314/not_imp523936,0.php

14 de março de 2010 0h 00
Fernando Dantas / RIO - O Estadao de S.Paulo
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e uma das figuras mais destacadas do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, está preocupado com a "mexicanização" do Brasil - controle pelo Estado de diversos setores da economia, reforçado por laços com empresas monopolistas e oligopolistas.
A seguir, a entrevista com Fraga, que hoje dirige a Gávea Investimentos, empresa de gestão de recursos.

Quanto o sr. acha que o Brasil pode crescer daqui em diante?
Sem aumentar a taxa de investimento e melhorar a educação, acho difícil passar de 5%, e nem sei se 5% é sustentável. Mas acho que há espaço para a taxa de investimento crescer e a educação melhorar. Nesse caso, a economia aguentaria crescer a uma taxa maior, por mais tempo, algo em torno de 6% a 7%.

Como o sr. vê a atual discussão sobre o papel do Estado?
Não acho que se deva dispensar o Estado. Acredito num Estado presente, ativo, cumprindo seu papel. Mas há uma certa expectativa de que o Estado resolva tudo. Meu receio, no campo político, são alguns traços de doenças do Estado, de ocupação do aparelho de Estado, que me incomodam. Não é questão de Estado mínimo ou máximo, mas de Estado ocupado. É o medo de uma mexicanização.

O sr. poderia explicar melhor?
No México, os governos do PRI (Partido Revolucionário Institucional) tiveram, durante décadas, o controle do aparelho de Estado, nomeando juízes, controlando vários setores da economia. É algo que deixou consequências até hoje. E, nessa situação, quando o governo não controla diretamente, ele cria ou facilita o surgimento de monopólios, que ficam próximos do governo. É um modelo que também inclui um certo pacto com os sindicatos que, no caso do México, no campo da educação, tem sido um desastre. Um modelo meio nacionalista, no mau sentido. Claro que tem um modelo muito mais radical, muito pior, que é o da Venezuela, que está em péssima situação.

Quais os sintomas daquelas "doenças do Estado"?
Há uma tendência de excessiva concentração em vários setores, com a criação de monopólios e oligopólios. Se há setores que competem no mundo, cada país tem o direito de ter a sua política de apoio e avaliá-la. Mas, quando são criadas situações de monopólio doméstico, protegido da concorrência externa, acho que é questionável. É o caso do México, em áreas como telefonia e cimento. Vejo o nosso governo muito entusiasmado com essas ideias. Mas, para mim, não casa com um governo de esquerda moderno, social-democrata.

Como assim?
Acho que o País voltou a sonhar com um modelo da década de 50 ou de 70. E as pessoas se esquecem que esse modelo, mesmo sendo importante na fase de industrialização e de construção de infraestrutura, também gerou um megaendividamento público, esqueletos e abriu espaço para a corrupção. Isso tem um preço. Não foi um modelo que nos colocou numa trajetória de convergência para os melhores padrões de vida do mundo. Nos fez crescer durante um certo período, mas depois se esgotou. Outra questão preocupante é que há no ar uma sensação de que o indivíduo não é importante - falta preocupação com educação, com empreendedorismo.

Quando isso começou?
Houve uma inflexão clara com a saída do Palocci (Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda). Não estou dizendo que está tudo ruim com o País, porque estamos indo razoavelmente bem. Histórias de sucesso empresarial têm surgido, muitas delas espontâneas, sem apoio ou subsídio do governo, pela via do mercado de capitais.

Na campanha, a candidata governista, Dilma Rousseff, deverá criticar os tucanos pelo excesso de liberalismo, e pregar a recuperação do papel do Estado.
O liberalismo no Brasil nunca aconteceu. É uma mentira de campanha essa história de Estado mínimo. O Brasil não caiu nas armadilhas em que outros países caíram ao adotar, por exemplo, um modelo hiperliberal de regulação e supervisão do setor financeiro, que está na raiz da crise global. O Brasil seguiu o caminho contrário. Quanto à ministra Dilma, os sinais que existem não são suficientes para que tenhamos uma opinião mais completa sobre aquilo em que ela acredita. Isso deve surgir nos debates da campanha. Mas não gosto do cheirinho de ocupação do Estado dos anos mais recentes do atual governo. Sem demérito de muita coisa boa que se fez e que se continua a fazer.

O sr. se preocupa com a possibilidade de o candidato José Serra, do PSDB, mexer no câmbio e na política monetária?
O Serra ainda não se colocou com clareza em relação a isso. No passado, ele defendeu sempre uma posição conservadora do lado fiscal, mas foi crítico da âncora cambial no Plano Real. Ele já demonstrou desconforto com as altas taxas de juros, como qualquer um, mas a questão é o que fazer para reduzi-las. Mas, enfim, cabe a ele dizer o que pensa. Eu, pessoalmente, acho que o modelo atual tem funcionado bem, mas pode ser administrado de forma diferente, mais conservadora do lado fiscal e creditício, o que criaria mais espaço para o juro cair.

Parece, porém, que os juros vão aumentar agora.
Essa é a dimensão cíclica da política monetária, num momento de economia aquecida, e é absolutamente normal. Mas existe também uma trajetória gradual, lenta, de longo prazo, de queda dos juros, que começou lá atrás, e em relação à qual um governo vai tentando construir em cima do que o outro deixou. Há várias dimensões da política atual que atrapalham a trajetória gradual de queda dos juros. Se você tem um modelo que, mesmo em momentos que não são de crise, mantém um padrão acelerado de crescimento do gasto e do crédito públicos, não é surpresa que o Banco Central agora se veja mais pressionado. Mas ainda acho que, se fizermos um pouco de esforço e calibrarmos um pouco a política econômica, a tendência de queda pode voltar a se acelerar.

Como vê o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social atualmente?
Vejo com a mesma ambiguidade que já via antes dessa fase de expansão, com coisas boas e questionáveis. Eu gostaria de ressalvar que acho o Luciano Coutinho (presidente do BNDES) competente, e considero que o BNDES sempre foi, entre os bancos públicos, talvez o mais bem administrado. Entendo algum gigantismo num momento de crise, mas, a longo prazo, é preciso um certo equilíbrio, para não inibir o desenvolvimento do mercado de capitais e para não cair também nas armadilhas que praticamente todos os bancos públicos na história dos povos acabaram enfrentando. É preciso frisar que o próprio presidente do BNDES tem dito que esse modo de emergência não cabe mais.

Qual a sua opinião sobre a proposta de reativação da Telebrás?
É incompreensível para mim, num setor extraordinariamente bem-sucedido. Não vejo razão para criar nada. Se o governo quiser subvencionar pesquisa ou expansão em regiões que não justificam economicamente a curto prazo, ele pode fazer, colocar no Orçamento, que tem recursos finitos, e aí essa política vai disputar com outros usos do dinheiro, como água, saneamento ou infraestrutura que é um problemão no Brasil. E aí se vê o que tem mais retorno social. A questão é sempre colocada na base de se dizer que "esse investimento é bom", mas outros investimentos também são, e gritam para ser executados. O governo tem de decidir, não dá para fazer tudo.

Qual a sua visão sobre a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Como viu o episódio recente do apoio a Cuba na ocasião da morte de um dissidente em greve de fome?
Isso assustou todo mundo. Que coisa, que mania! O que há de tão bom numa ditadura? Não consigo entender. Tem gente morrendo lá, qual é a graça? Não entendo o excesso de apreço ao Hugo Chávez (presidente da Venezuela) e ao Mahmoud Ahmadinejad (presidente do Irã). Acho de mau gosto e politicamente estranho uma aproximação tão grande, tão alegre, com esses ditadores e quase ditadores, que não trazem nada de bom e podem até prejudicar o Brasil no mundo comercial. Daqui a pouco vão inventar nos Estados Unidos e na Europa mais restrições a nós em função dessa política. Isso é diferente de um diálogo sóbrio com todo mundo, de uma política externa independente, voltada ao interesse nacional. Também acompanhei essa tentativa de introduzir um certo controle à imprensa, à educação superior - são cacoetes que vejo com certa preocupação. Dá impressão que existe uma usina de ideias desse tipo, o que me incomoda.

O sr. voltaria ao governo?
Não sou filiado a nenhum partido nem pretendo ser - não sou político. Tive duas experiências muito boas no governo, que tiveram suas frustrações, mas foram períodos de muito trabalho e muita realização. Eu voltaria, mas não a curto prazo. Não tenho a menor vontade e estou comprometido com os meus negócios e minha família. Não é algo que veja para os próximos anos. Aliás, me sinto até prepotente respondendo a essa pergunta, porque não tem ninguém me convidando, nem me namorando.