sábado, janeiro 16, 2010

Chinternet

16/01/2010
Chinternet
Le Monde

Já é bem raro ver gigantes da indústria colocando a ética acima de seus interesses comerciais para saudar, em seu devido valor, a reação do Google frente à censura chinesa. Irritado com um número crescente de tentativas de penetração em seus servidores visando espionar os opositores, o número um americano da internet acaba de dizer claramente ao governo chinês: ou param com os ataques e deixam o mecanismo de busca google.cn funcionar sem entraves, ou o Google encerra suas atividades na China, retirando-se do país.

Para a empresa americana, é uma completa inversão de estratégia. Para colocar um pé nesse gigantesco mercado, o Google, assim como outros, aceitou em 2006 limitações de ordem política para seu mecanismo de busca. A empresa havia apostado que, ainda que censurada, sua presença na internet da China e o imenso campo de possibilidades, de informação e de trocas que ela ofereceria aos internautas locais compensariam os efeitos da censura, no final das contas.

Mas a situação se tornou incômoda demais para o Google. Quanto mais os cidadãos chineses se comunicam e tomam iniciativas na internet, mais o regime aumenta os obstáculos para suas atividades, com métodos cada vez mais sofisticados. Desde os Jogos Olímpicos em Pequim, em 2008, a tendência é constante. Diretamente visado, o Google concluiu que agora os inconvenientes de sua presença no império do Meio prevalecem sobre as vantagens. A relação de uma empresa como o Google com seus usuários através do mundo se baseia na confiança, e o que acontece na China tende a romper essa ligação.

O Google se recusa a ser um instrumento de repressão política e conta, em suas negociações com as autoridades chinesas, com divisões hipotéticas dentro do governo. Por enquanto Pequim permanece inflexível, e é difícil ver o regime cedendo às exigências do Google.

É uma dura lição, e não somente para o Google, que hoje se questiona se o acordo fechado em 2006 foi uma boa ideia. Outros - Yahoo, Microsoft, para citar só alguns - devem se fazer a mesma pergunta. A China claramente não teme a prova de força com os ocidentais nesse terreno: hoje ela possui seus próprios gigantes da internet e quer controlar seu ciberespaço. A uma internet aberta e globalizada, ela prefere aquilo que um especialista americano, Xiao Qiang, chamou de "Chinternet". No confronto Chinternet contra Internet, não é nem garantido e nem desejável que o primeiro saia vencedor.

Tradução: Lana Lim

Democracias em crise

Fraqueza institucional, muitas vezes sob nova roupagem, continua a marcar a vida política de países latino-americanos

POPULISMO , turbulência, ditaduras e caudilhos constituem fenômenos recorrentes na história latino-americana. Não deixa de surpreender, todavia, que no final da primeira década do século o continente ainda seja palco de crises, desmandos e aventuras como as que, em graus variados de intensidade, registram-se em países tão distintos quanto Argentina, Venezuela e Honduras.
Enquanto forças do Exército, transformadas em fiscais de preços, vigiam gôndolas de supermercado em Caracas, a Argentina se torna palco de investidas voluntaristas por parte da presidente Cristina Kirchner. Após suas tentativas de intimidar um jornal oposicionista, pretendeu exonerar o presidente do Banco Central argentino, ferindo o protocolo expresso na Constituição.
Em comum, Venezuela e Argentina vivem situação econômica delicada, que se segue a anos de rápido crescimento.
Índices negativos ou próximos de zero no PIB, inflação elevada, ambiente desfavorável ao investimento privado, dependência extrema de exportações primárias, gestão pública errática e demandas sociais agudas criam uma conjuntura de óbvias dificuldades para os dois países. Seus governantes acentuam, assim, traços providencialistas de comportamento.
Nem a prosperidade do início da década nem a crise atual oferecem, entretanto, explicações suficientes para o subdesenvolvimento político e a tentação autoritária que, com exceção cada vez mais marcante de Brasil e Chile, ainda caracterizam tantos países latino-americanos.
O cientista político argentino Guillermo O'Donnell criou há tempos o conceito de "democracia delegativa", em contraste com a clássica ideia da "democracia representativa". Seria o hiperpresidencialismo, fundado na deterioração do sistema parlamentar e no descrédito das organizações partidárias.
Se, no caso venezuelano, o poder de Hugo Chávez se aproxima do puro caudilhismo, parece generalizar-se, e não só na América Latina, um sistema em que liberdades democráticas coexistem com o providencialismo do presidente, a baixa alternância no poder, a cooptação de Legislativo e Judiciário e a ameaça à liberdade de imprensa.
O processo, que pode encontrar paralelos, por exemplo, na Rússia de Vladimir Putin, não se restringe ao legado típico do populismo sul-americano. O presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, em tudo se afasta do modelo chavista -exceto no seu intento de propor um referendo para assegurar uma segunda reeleição.
De certo modo, é como se o atraso social, econômico e político continuasse a bloquear, em pleno século 21, o acesso de muitas nações à solidez da democracia representativa de massas, que em meados do século 20 já havia se consolidado nos países centrais.


Editorial, Folha de São Paulo.

Cobertura da midia no Haiti - NYTimes

Media Struggle to Convey a Disaster

By BRIAN STELTER and RICHARD PÉREZ-PEÑA
Published: January 14, 2010
The Fox News correspondent Steve Harrigan is a veteran of the world’s worst calamities, but on television on Thursday afternoon, as he stood beside one of the piles of rubble that pockmark Port-au-Prince, Haiti, he broke down.

Skip to next paragraph


He had watched a woman wailing in the street, having lost four of her children to Tuesday’s earthquake and the fifth child at a hospital later.

“That kind of loss is horrific in any culture, but in a culture where you’re utterly” — Mr. Harrigan lost his composure while trying to say the word “alone” — “it just makes it all the more difficult.”

Amid banner headlines and hours of television coverage, reporters and anchors struggled to convey the enormousness of the devastation in Haiti on Thursday, as the world’s news media directed their collective attention to the crippled country.

By Wednesday evening, about 24 hours after an earthquake estimated at a magnitude of 7.0, two of the nation’s three network evening news anchors were live on television, albeit barely, in Port-au-Prince. Reporters and photographers for major newspapers had also reached the city. By Thursday, larger contingents of reporters had arrived.

“Outside of a military conflict, this is the biggest international deployment since the tsunami” in 2004, said Tony Maddox, the managing director of CNN International.

In some cases, reporters and anchors were arriving well ahead of international relief organizations. In other cases, they were hitching rides with them.

“Wherever you are,” Anderson Cooper of CNN said Wednesday night, “hug a loved one close and thank God you are not in Port-au-Prince tonight.”

The broadcast networks expanded their half-hour newscasts to one hour each on Wednesday and Thursday. ABC News produced a special report in prime time on Thursday, pre-empting an episode of “Grey’s Anatomy.”

According to The Columbia Journalism Review, there is only one foreign correspondent based in Haiti, Jonathan M. Katz of The Associated Press. The news agencies Reuters and Agence France-Presse employ Haitian-born reporters in the country.

Initially, networks and newspapers found themselves supplementing professional reporting with the Twitter tweets and cellphone videos of witnesses in Haiti.

On Wednesday, when no Wall Street Journal reporter had yet been able to reach the scene, former colleagues suggested recruiting Pooja Bhatia, 33, a former Journal reporter living in Haiti on a fellowship. Hers was one of two bylines on the top article on the paper’s front page on Thursday. The same day, The New York Times published a first-person article by her on its Op-Ed page.

“I was here during the 2008 hurricanes that left thousands dead, and thousands and thousands homeless, and that felt like the apocalypse,” Ms. Bhatia said in an interview. “But that pales in comparison to this.”

In Haiti, “the biggest challenge is that the entire infrastructure of Port-au-Prince has collapsed,” said Steve Capus, the president of NBC News.

Reporters equipped themselves with satellite phones and clips that allow them to draw power from car batteries for their laptops, cameras and phones.

Several times in the continuing cable news coverage, Mr. Cooper and other reporters drew comparisons to the scenes they witnessed after Hurricane Katrina in 2005.

The CNN correspondent Gary Tuchman said: “Roll back the clock four and a half years ago. What déjà vu.”

deu no globo

A crise persiste (Editorial)

O presidente Lula continua a trabalhar para evitar que o desastrado, para dizer o mínimo, “programa de direitos humanos”, desenhado pelos agrupamentos de esquerda do seu governo, continue a causar danos políticos.

No que se refere aos militares, contrários, com razão, à tendenciosa revisão da Lei da Anistia embutida no programa, o presidente considera ter contornado a crise, por meio de uma alteração semântica.

Em decreto presidencial com data de quarta-feira passada, dia 13, sobre a criação de um grupo de trabalho para propor a instituição da tal Comissão da Verdade, ficou estabelecido um novo objetivo para ela: examinar “violações de direitos humanos” ocorridas na ditadura, em vez de vasculhar responsabilidades por esses crimes, cometidos na “repressão política”.

O objetivo é acabar com o dirigismo da versão anterior do texto, apontado apenas para os militares, sem incluir a guerrilha.

Em nome dos militares, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, antes de embarcar às pressas para o Haiti, se disse satisfeito, bem como a outra ponta da crise, Paulo Vannuchi, ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, um dos principais artífices de toda essa operação de contrabando para o programa de propostas equivocadas, muitas dos tempos do PT radical de oposição, e várias inconstitucionais.

A posição supostamente magnânima de Vannuchi dá a entender que ele e os grupos da “sociedade civil” que debateram as propostas — na verdade, militantes, representantes de corporações sindicais, nada que represente a sociedade brasileira como um todo — ainda esperam impor à nação ingredientes do “programa de direitos humanos”, um cartapácio de 73 páginas, 23 mil palavras, com sugestões de 27 novas leis, trabalho para uma Constituinte.

A questão, portanto, ao contrário do discurso oficial, está longe de ter sido superada. Ontem, Lula criticou criadores de “chifre em cabeça de cavalo”, ou seja, quem denuncia a manobra de se tentar, por meio desse programa, agredir princípios constitucionais inegociáveis, como a liberdade de imprensa e a propriedade privada.

O problema é que o “chifre” continuará na “cabeça do cavalo” enquanto todas as aberrações incluídas no programa não forem revistas.

--

sexta-feira, janeiro 15, 2010

Quem está à esquerda de quem?

Os tropeços do PDSB mais que compensam as trapalhadas do PT. Realmente, é impossível termos um partido no Brasil que se autodenomine de direita, especialmente porque, durante a ditadura, que deixou marcas, os "intelectuais" chamavam de direitistas aqueles que eram pró-ditadura, assim como os militares associavam os esquerdistas a, não só comunistas, mas a vândalos, marginais e terroristas. Obviamente, o termo está em desuso e sem apelo em todo o mundo, especialmente agora depois da crise. Obviamente também, os conceitos não retratam exatamente a realidade. No caso do Brasil, eu acho uma tristeza não termos um partido ou grupo político que defenda uma visão mais liberal do estado, com menos interferências na economia e na vida privada. Se alguém abriu um video do "entre aspas" do G1 que eu mandei, viram um economista dizendo justamente que não existe no Brasil nenhum grupo político que consiga fazer um link entre, por exemplo, a corrupção e os altos impostos pagos. Não existe alguém que diga: "Olha gente, a corrupção tem um efeito prático nas nossas vidas. Vocês estão dispostos a pagar esse custo, essa inefiência? Ou seja, voces querem pagar menos impostos, pagar menos pela corrupção?" Sem esse tratamento, o discurso da ineficiência perde qualquer sentido político e eleitoral, pois as pessoas não vem uma relação entre problemas como esses e seus bolsos.
A minha decepção é ainda maior com o PSDB, porque eu acho que este seria o partido que teria maiores condições de implementar esse discurso. Acho que eles deveriam fazer um compromisso de manter as políticas sociais, mas sem comprometer o discurso da estabilidade fiscal e monetária que eles próprios iniciaram no governo FHC. Por outro lado, o PT (leia-se Lula) começou com o discurso anti-esquerdista e passou a pelo menos em parte ouvir os apelos pró-mercado e pró-liberalismo, mais do que antes pelo menos. Juntando ambos os discursos de forma hipócrita e oportunista, Lula transformou-se no mito a que se refere o Eugenio Bucci em recente artigo no Estadão. Eu me lembro em 2002, quando o Lula ganhou, eu estava na Av. Afonso Pena, junto com uma multidão, e em um telão imenso apareceu o o Lula respondendo a uma pergunta no Fantástico sobre qual seria a reação do mercado a sua vitória. Ele disse algo simples como: "O mercado tem que entender que o povo brasileiro passa fome e precisa comer". O povão foi ao delírio, lógico. Os primeiros meses de 2003 mostraram no entanto que o pt do Lula não estava disposto a enfrentar o mercado, não na eminência de uma crise.
É verdade que o governo do FHC foi muito melhor que o pensamento médio dos militantes do PSDB, e o do Lula em relação ao PT nem precisa dizer.... A grande força do Lula acho que vem daí: mantém políticas relativamentes austeras, e mantém sob controle ampla parcela dos radicais de movimentos sociais e etc. A questão é que se o PSDB for adotar um discurso mais social, também não pode abandonar o discurso da eficiência e da boa gestão - a grande questão é fazer o link entre o discurso da eficiência e da responsabilidade social, coisa que o Lula, mesmo roubando sistematicamente parte do discurso do PSDB, não consegue. Dar bolsa-família ou criar programas habitacionais são meros paliativos - o que irá realmente reduzir a pobreza no Brasil para níveis razoáveis é abaixar os impostos, que são extremamente regressivos no Brasil. Se o povão ficasse sabendo o tanto que eles pagam em impostos quando compram alimentos e materiais de contrução, será mesmo que eles não iriam aderir a um discurso de menor tributação? O problema é que no Brasil a maioria nem sabe o quanto está pagando em impostos embutidos nos preços...
Concluindo, eu acho que a única solução para o PSDB reverter a situação, pois acredito que a vantagem atual é mesmo da Dilma, seria, de uma forma totalmente inesperada, defender com vontade, no que deve ser defendido, o governo do FHC. Não é necessário demonizar o Lula: é só fazer uma propaganda mostrando como o Brasil melhorou nos últimos 16 anos, e que tal processo começou com o FHC, sendo aperfeiçoado pelo Lula. Essa vergonha dos tucanos em relação ao governo FHC é uma lástima, pois deixa o partido totalmente na defensiva.

quinta-feira, janeiro 14, 2010

O lulismo vai ao cinema

O lulismo vai ao cinema
Eugênio Bucci

Tamanho do texto? A A A A

Começo por uma ressalva: o filme Lula, o Filho do Brasil, não é exatamente ruim. A cinebiografia do presidente da República, anunciada como a mais cara produção da história do cinema nacional, conta de modo envolvente a história que se propõe a contar. Emociona qualquer um que deixe uma abertura mínima para ser emocionado. É o que se pode chamar de um filme brasileiro tecnicamente bem feito.

Mas com que caráter? A resposta, por ser óbvia demais, não tem sido levada suficientemente a sério. Lula, o Filho do Brasil existe para promover a idolatria de um mito político - e ergue esse mito ao custo da destruição simbólica da política.

É claro que uma obra de entretenimento, mesmo quando diretamente baseada em fatos reais, como é o caso, pode muito bem virar as costas para a política. Pode optar por uma narrativa romanceada, mais açucarada, não importa. Há obras-primas melosas, inteiramente apolíticas, assim como há mediocridades acachapantes que se perderam na tentativa de retratar com fidelidade as tensões próprias do universo político. O problema não está aí. O problema de Lula, o Filho do Brasil é que ele despolitiza os fatos com o objetivo de sacralizar a pessoa de um político, ou seja, ele despolitiza para fazer proselitismo político. Não um proselitismo programático, mas aquele que se baseia no culto da personalidade. Ele interpela e intima o espectador: acredite nesse homem, independentemente das contradições que ele encerra; confie nesse homem, mas não tente entendê-lo, ele - e não você - é o critério da verdade.

As evidências do aniquilamento simbólico da política são abundantes ao longo do filme. O protagonista entra no sindicato porque precisa "ocupar a cabeça" para esquecer a dor pela perda da primeira mulher. Despreza olimpicamente a ação dos grupos organizados. O enredo desenrola-se de tal forma que os acontecimentos parecem consequência do psiquismo sentimental do personagem. Estamos diante da saga de um ser acima dos demais, um predestinado, alguém que "chegará lá", um dia, para redimir os semelhantes. Ele não segue programa nenhum, apenas intui o que fazer. Não é de esquerda nem de direita: às vezes fala como um conservador, um defensor da ordem; outras vezes, como quando fustiga os patrões, parece um contestador enraivecido. Às vezes é incendiário, outras vezes é bombeiro, mas sempre luminoso, superior, mítico.

Nesses termos, Lula, o Filho do Brasil vem ilustrar o fenômeno que foi brilhantemente descrito no ensaio do professor André Singer, na edição de número 85 da revista Novos Estudos, do Cebrap: Raízes sociais e ideológicas do lulismo. O lulismo, para o autor, mescla a manutenção da estabilidade econômica e institucional à ação distributiva promovida pelo Estado com vista a reduzir a desigualdade. Os dividendos dessa conduta vieram nas eleições de 2006. O imenso contingente dos muito pobres (famílias cuja renda não ultrapassa dois salários mínimos mensais), o mesmo que garantiu a eleição de Collor em 1989, passou a formar a base de apoio eleitoral do presidente, embora cultive, em seu ideário, valores comprometidos com a manutenção do status quo. Sem guardar nenhum vínculo com teses que pregam a transformação estrutural da sociedade, esse segmento tem mais identidade ideológica com a direita. Não obstante, dá agora sustentação a um governante egresso de movimentos de esquerda. O que pesa, aí, não é mais a consciência de classe, em sentido clássico, mas a identificação pessoal com o líder carismático. Por isso, ao final de seu ensaio, Singer fala em "lulismo despolitizante".

Publicado em novembro passado, o artigo da Novos Estudos não faz nenhuma referência ao longa-metragem, que estreou apenas em janeiro, mas fornece elementos preciosos para discuti-lo. Em Lula, o Filho do Brasil podemos ver de perto que a despolitização mora na raiz da construção do mito. Na tela, a ação programática dos agentes de um novo sindicalismo, que ganha existência entre os anos 70 e 80, vira reles coadjuvante; quem assume a condição de protagonista é o herói melodramático, que conta com a lealdade dos seguidores, qualquer que seja a direção que adote.

Não que o roteiro do filme ignore solenemente o fator político. Isso não se pode dizer. Esse fator aparece, entra em cena, muitas vezes com vigor e contundência, mas invariavelmente subordinado à determinação pessoal do personagem que irá vencer no happy end. Nesse sentido, Lula, o Filho do Brasil se enquadra na categoria das "fábulas populares", conforme elas são definidas por Ítalo Calvino. Diz ele: "O príncipe disfarçado de pobre é a prova de que cada pobre é na realidade um príncipe que sofreu uma usurpação e que deve reconquistar seu reino." No cinema de Fábio Barreto, Lula é desse tipo: um "príncipe" disfarçado de pobre a quem caberá, ao conquistar finalmente o trono, levar justiça e felicidade à sua gente. É assim, como se fosse fábula, que o filme faz a política personalista.

Muitos argumentam que esse longa-metragem é uma peça de propaganda. Têm razão. É propaganda eleitoral, com a vantagem de parecer um produto de entretenimento como outro qualquer, já que não envolveu dinheiro público. Mas o filme nos deixa ver um fenômeno maior que a simples propaganda. O príncipe que ele apresenta tem correspondência numa figura de carne e osso, que existe de verdade e que, em sua vida real, trilhou os caminhos que agora permitem a sua tradução nesse formato de grandiosa fábula popular. Ele não é artificial, não foi criado em laboratório, muito menos é prisioneiro de sua representação estética. Seu poder no imaginário pátrio ultrapassa as classes e seu mito, o lulismo, alça agora um voo maior que a própria política.

Eugênio Bucci, jornalista, é professor da ECA-USP

Verdade e poder, dois estranhos

CLÓVIS ROSSI


SÃO PAULO - Roberto Saviano é um jornalista italiano que investigou as máfias de seu país e as conexões com o poder. Produziu um livro, "Gomorra", que lhe valeu uma espécie de condenação informal à morte pelos clãs mafiosos.
No começo de outubro, em ato público de protesto contra os ataques do primeiro-ministro Silvio Berlusconi à mídia, Saviano soltou esta frase: "Verdade e poder não coincidem nunca".
Exagero? Talvez, mas não muito, a julgar por duas notícias dos jornais de ontem, para não pesquisar exemplos anteriores. Primeira: o governo holandês, depois de tomar a decisão de apoiar a invasão do Iraque já em 2002 (a invasão só se deu em 2003), passou a selecionar nos textos dos serviços de inteligência apenas os trechos que se adequassem à linha política já decidida.
Detalhe: estamos falando da civilizada Holanda.
Segunda notícia: o governo grego manipulou estatísticas para tentar esconder o seu formidável deficit público. No dia 2 de outubro, mandou informe à Comissão Europeia dizendo que o deficit em 2009 seria de 3,7%; apenas 19 dias depois, novo informe, em que o deficit saltou para 12,5%.
No Brasil, o Ipea faz questão de dizer que caiu a desigualdade, sem deixar claro que caiu apenas a desigualdade entre salários, que seu próprio presidente, Marcio Pochmann, considera muito menos importante do que a disparidade entre renda do capital e renda do trabalho. Cultiva uma lenda, embaçando a realidade.
São fatos indiscutíveis. Diante deles (e haveria toneladas de outros se espaço houvesse), você decide se vale a pena deixar que o governo (qualquer governo) controle os meios de comunicação, como pretende o Plano Nacional de Direitos Humanos, ou se é mais saudável que você mesmo os controle, mudando de canal ou de jornal na hora em que quiser.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Lula e o populismo

FERNANDO DE BARROS E SILVA


SÃO PAULO - O lulismo é uma nova forma de populismo? E quais relações ele teria com o getulismo?
Na sua definição mais geral, o populismo se caracteriza pela existência de um líder carismático que estabelece um vínculo direto com as massas, cuja identidade passa a depender da relação com o "pai" em que se espelha e reconhece.
Trata-se, nas palavras de Norberto Bobbio, de um movimento conservador, no qual a sociedade dividida em classes dá lugar à noção de um "povo" indivisível. Seu inimigo é o "antipovo", cujo conteúdo é historicamente variável -elites imperialistas, oligarquias nacionais, grupos com ideologias estranhas ao povo (como o comunismo) etc.
No artigo "Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo", comentado aqui ontem, o cientista político André Singer diz, já nas suas conclusões, que a ideia de um conflito entre "um Estado popular e elites antipovo" poderá "cair como luva para o próximo período". Ou seja, a disputa eleitoral de 2010 pode ser pautada pela gramática do populismo.
Conforme Singer mostra, ao unir em seu governo defesa da ordem econômica e promoção social, Lula articulou em torno de si a massa desorganizada de baixa renda, que passou a existir como ator político por meio da sua liderança. Ou seja, o lulismo deixou a direita órfã do povão. E Lula deu um nó no enredo que a esquerda lhe havia preparado.
Os "descamisados", aqueles setores "menos esclarecidos e mais desfavorecidos" que o petista identificou como responsáveis por sua derrota para Collor em 1989, passaram a formar a base social do lulismo.
Leonel Brizola, filho do getulismo e velho crítico do PT -que para ele representava a elite sindical dos trabalhadores, a igreja progressista e as classes médias intelectualizadas, mas era incapaz de alcançar as massas-, talvez se admirasse com destino popular do "sapo barbudo".
A liderança de Lula reúne traços inegáveis do populismo, sem que isso fragilize as instituições. É difícil imaginar um governo de comunhão nacional além da sua figura.

O Cavalo de Tróia dos Direitos Humanos

O Programa Nacional de Direitos Humanos, por enquanto um documento de intenções do governo Lula, é uma espécie de cavalo de tróia.

Por fora, é belo e atraente; por dentro, embute (mas não oculta) uma série de anomalias institucionais, que comprometem o direito de propriedade, a liberdade de imprensa e de expressão e, no fim das contas, o próprio conceito de direitos humanos.

O texto relativiza o direito de propriedade, legitimando invasão e ocupação de terras, urbanas e rurais, em nome da justiça social. Justiça, como democracia, dispensa adjetivos.

Em 1964, o lendário advogado Sobral Pinto reagiu ao termo “democracia à brasileira”, emitido pelo presidente Castello Branco, dizendo que não existia tal regime.

Existe, disse ele, “peru à brasileira”, “farofa à brasileira”, mas democracia é ou não é. No caso, disse ele, não era. E não era mesmo.

Mais tarde, o presidente Geisel sustentou o conceito de “democracia relativa”, igualmente combatido em nome da mesma lógica, que se aplica, sem tirar nem pôr, à justiça.

O que é justo dispensa complementos, que servem apenas para relativizá-lo.

O tal Programa escora-se nos termos “justiça social” e “direitos humanos” para, a pretexto deles, restringir liberdades e centralizar poderes no Executivo. Tudo – ensino, imprensa, produção editorial, artes cênicas, propriedade - passa a depender deles, de maneira incondicional, à revelia dos limites da lei.

É legítimo e indispensável que o país, que possui a maior extensão contínua de terras agricultáveis do planeta, discuta e empreenda uma reforma agrária.

Mas não significa que essa demanda tenha que ser atendida à margem da lei, sobretudo quando se vive num Estado democrático de Direito, com leis específicas regulando o acesso à terra e estabelecendo restrições à propriedade improdutiva.

Até aqui, a tentativa de reforma agrária na marra apenas conspirou contra a reforma agrária. Não há como obtê-la senão pela lei ou pela revolução.

Como a segunda hipótese implica a supressão da democracia, o temor com o tal Programa é justificado.

A paz no campo não será obtida ignorando cláusulas pétreas da Constituição. E é o que tem ocorrido. Há uma CPI instalada no Congresso, a do MST, para investigar exatamente isso.

A invasão e destruição de propriedades produtivas, incluindo laboratórios de pesquisas, equipamentos e moradias de trabalhadores, têm ocorrido com freqüência aterradora.

Em alguns estados, como o Pará, os governantes simplesmente ignoram liminares e decisões judiciais de reintegração de posse, em nome da justiça social.

Os movimentos ditos sociais, pelo simples fato de se declararem como tais, têm seus atos legitimados independentemente de seu conteúdo.

Como se não bastasse, há questionamentos sobre o uso dos recursos estatais e privados que sustentam esses movimentos, que deles não prestam contas.

A própria instalação da CPI do MST foi contestada a partir do argumento de que não se deve tocar nos movimentos sociais. Muito ao contrário, um movimento com tal responsabilidade não pode gerar dúvidas sobre suas ações e objetivos.

Mas o Programa Nacional de Direitos Humanos, que mexe na Lei de Anistia, responsável por 30 anos de paz política, vai ainda mais longe: quer regular os veículos de comunicação, que têm sido os grandes paladinos na defesa dos direitos humanos.

O inciso I, alínea d, do Programa, estabelece como “objetivo estratégico”:

“Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações”.

E vai por aí, ao estabelecer idênticas metas no ensino, na formação das Forças Armadas, no financiamento de obras de arte e cultura etc.

Nesse quesito, o texto estabelece a meta de “incentivar a produção de filmes, vídeos, áudios e similares, voltada para a educação em Direitos Humanos e que reconstrua a história recente do autoritarismo no Brasil, bem como as iniciativas populares de organização e de resistência”.

Ou seja, pretende, além de tudo – e em nome da causa - reescrever a história do país, sob o prisma dos patrocinadores.

Eis aí o cavalo de tróia, em cujo interior conspira-se contra a democracia, sem a qual não há direitos humanos.

Em suma, o conteúdo nega a embalagem.



Ruy Fabiano é jornalista

terça-feira, janeiro 12, 2010

Tarantino´s Mind

Com Selton Mello e Seu Jorge :

Black-Out

Um curta muito massa, do agora diretor Daniel Rezende e contracenado por Wagner Moura:

Charges da Força







PNDH de Lula X FHC

A pizza podre de Arruda

CBN - A rádio que toca notícia - Arnaldo Jabor

Da B(r)asílica dos Corruptores :

“A anti-prece dos homens públicos que têm preço”.

“Financiador nosso que estais na terra



Santificado seja o teu negócio



Venha a nós o teu dinheiro



Seja feita a tua vontade



Assim no público como no privado



A propina nossa de cada dia nos dai hoje



Perdoai nossos desfalques



Assim como nós perdoamos os que malversaram antes de nós



E não nos deixeis cair na tentação da honestidade



Mas livrai-nos do flagrante e da verdade,



Amém.”