sábado, junho 29, 2013

A revolução dos 20 centavos do século 21


Por Marcelo*

   Os ganhadores e perdedores das revoltas populares das últimas semanas ainda não foram descobertos, mas são certamente da classe política predominante e dos poucos clãs que controlam os maiores partidos, PT, PSDB e PMDB. Os petistas mais radicais parecem querer frear o movimento, depois de tê-lo atacado desde o início, como se a massa estivesse sendo manipulada por forças ocultas (da elite, da direita e da mídia...). A versão da esquerda é praticamente o discurso atualmente reconhecido na direita brasileira, quer seja, considerar o povo ignorante como uma simples massa de manobra de alguns políticos populistas. No socialismo do século 21, muitas vezes a esquerda  prefere arrefecer os ânimos do que correr o risco de uma virada de mesa que beneficie a direita, ou mesmo parte da esquerda divergente. Os petiscas amigos da "burrocracia" nao querem radicalizar e não acreditam na esquerda radical.


    Ainda bem que na revolução do século 21 nao é necessário guerra além do "teatro", o "filme" contado pela televisão - desconsiderando que as bombas e as 3 mortes tornaram o ambiente de guerra ainda mais insuportável para além das telas, o fato é que o poder da televisão e da internet é de catalisar e acelerar pequenas mudanças e fatos que antes passariam despercebidos pela maioria. Não se precisa no século 21 tomar o congresso ou cortar as cabeças. Mostrar que a capacidade e a possibilidade, simbolicamente, já é suficiente para o povo da democracia moderna da era da informação em alta velocidade. A revolução feita dessa forma se impera de forma ainda mais rápida e impactante, pois todas as escolhas sao feitas intuitivamente e instantaneamente pelo movimento-povo, que quer mostrar que tem o controle, embora admita ser fragmentado. A minha visão é positiva: de quem vê as manifestações como um sinal de vida da nossa democracia. O povo quer parecer que sabe o que faz e até onde faz, e que pode controlar possíveis dissidências fundamentalistas, que não quer uma instabilidade maior que um certo nível que possa ameaçar a governabilidade a longo prazo. A classe média conservadora, achatada pelos altos impostos e poucas facilidades do governo, é quem no final das contas mostrou a força e foi para as ruas gritar - com um pé atrás naturalmente.


       Essa espécie revolução instantânea (de fato, os protestos já diminuíram bastante) é possível porque esse movimento é virtual, no sentido que parte do inconsciente coletivo das pessoas, e não de situações e personages reais. Problemas gerais são catalisados e depois se dispersam em uma infinidade de manifestações. Corrupção, inflação, transportes são questões gerais mas também dizem respeito ao âmago da nossa institucionalidade. Os brasileiros podem ter inconscientemente chegado `a conclusão de que o problema brasileiro é estrutural e não pode ser mudado de forma paliativa. A descrença em relação à base da política não é invenção brasileira, pelo contrário, chegou até nós atrasada. O efeito Lula de certa forma escondeu o movimento que ocorria, e o que se viu foi uma fusão dos movimentos pela democracia ao redor do mundo e movidos pela tecnologia  de informação (leia-se twitter e facebook) com o neopopulismo brasileiro, que parecia imune a tudo.


        No mais das vezes, trata-se de situações relatadas de forma indireta, e portanto deturpada, pela tv ou outros meios. Na revolução do século com informação a alta velocidade, o povo em seu conjunto democrático faz rapidamente as escolhas e desenha rapidamente os cenários, calcula-se quase de forma instantânea as perdas e ganhos da ação e toma-se uma atitude. Ou, devido a dificuldade de se mudar as coisas, chega-se a um impasse ainda mais frustrante e intransposnível do que parecia antes. Apesar dessa boa vontade, é difícil acreditar que o povo tenha mesmo uma identidade racional para escolher esse ou aquele projeto. Pelo contrário, o povo parece simplesmente guiado pelo sentimento de revolta, de quem sabe se sabe violentado e humilhado. E esperança reside exatamente nisso: a possibilidade do povo ter entrado em sua "maioridade",  de ter chegado `conclusão que a doutrinação imposta não lhe cabe mais.


     Nesse momento, volta-me a cabeça a ideia do "povo bom" - o povo brasileiro genuinamente cordial - ou o povo da não violência. O movimento povo exala pacificidade, que contrasta com a longa historia de descaso a que se sujeitou pelas elites que, pelo contrário, sempre abusou da violência. O povo, na linha do Sergio Buarque em Raízes do Brasil, foi doutrinado para não ser violento. O povo brasileiro jamais considerou que a violência fosse a solução, mesmo nas condições mais miseráveis, raramente percebe-se no brasileiro normal um ódio ou raiva que o leve ao confronto físico e mortal (ou mesmo a uma confronto moral, ou uma aversão política que dividisse a sangue o país) ao longo de um período razoavelmente longo. O ódio e a energia agressiva do brasileiro nunca se dirigiram especificamente `as elites ou a uma figura específica (p.e., os EUA, os estrangeiros, etc) . O povo brasileiro quando briga faz como um suspiro de alivio ou desabafo - são brigas de bar, entre casais e devido a armas despejadas nas mãos de adolescentes nas favelas... Quem contra argumentar dizendo que nossa violência é maior que na Palestina desconsidera o fato de que também nossa desigualdade social soh é comparável ao de Serra Leoa. Não quero entrar no mérito da culpa pela nossa extrema violência, mas ressalto que o povo brasileiro no geral é extremamente pacífico e humilde, quando não entre o ferro e o fogo. O povo pode ser malandro, mas não ruim ou frio no sentido estrito - o que no final das contas é a nossa forma de perversidade e de hipocrisia.


        O fato é que eu tenho pena do povo cordial brasileiro que se vê entre dois partidos que no fundo não representam ninguém e portanto não são nada, pois adoptam estratégias iguais. O governo condena a violência como quem não quer admitir a incompetência de resolver a própria incompetência, haja vista que o movimento há muito não se restringe a esse ou aquele movimento radical. O governo, ao permitir alta inflação, inevitavelmente terá que se defrontar cada vez mais com esse aquele movimento buscando reajuste de preços. O que "eles" querem na verdade é impedir o povo de promover uma revolução virtual, que deveria forçar uma revolução dentro do proprio congresso.


         Os conservadores estão tanto a esquerda quanto a direita, no meio está a classe média baixa e pobre esmagada pelo estado neopressor dos estados impostos e sem direito a benesses institucionalizadas. De um lado, o discurso da eficiência não encontra respaldo, por outro, a ideia revolucionária dos manifestantes está cada vez mais inverossível e utópica. Só nos resta rezar!
   

    (ps: Dias depois que escrevi esse texto, voltei, e penso agora que algumas coisas podem ser a esperança do Brasil: 1- as manifestações; 2- a lei da ficha limpa, 3 - esse deputado que foi preso, 4 - Alguma medida de mudança eleitoral na linha do que vem sendo chamando de reforma política, 5- possível prisão final dos mensaleiros, 6 - Acabo de ver que a popularidade de dilma despencou em junho. É sempre bom os políticos verem que o povo também tem seus caprichos e que não é cabresto eleitoral. Em tempo, eu espero que saia esse plebiscito, ou o referendo, acho que qualquer mudança nessa linha, que mexa com o sistema político eleitoral, pode ser boa. Só nos resta torcer!)

(O texto autoral emite estritamente a opinião do autor e é de sua inteira responsabilidade)