terça-feira, fevereiro 09, 2010

J. R. Guzzo, Revista Veja

http://comentandoanoticia.blogspot.com/2010/02/nosso-grande-amigo.html

ótimo artigo... mostra que a Veja não se faz apenas de Mainardis e
Reinaldos - graças a deus!

Segunda-feira, Fevereiro 08, 2010

Nosso grande amigo


J. R. Guzzo, Revista Veja


“‘Não sou um indivíduo qualquer’, disse o coronel ainda outro dia. ‘Eu
sou o povo.’ A impressão é que o governo Lula ouve essas coisas e
acredita"


Considerando-se que o Brasil não pode escolher os vizinhos que tem, e
que também não pode decidir como eles devem se governar, uma das
perguntas que o mundo das realidades coloca no momento para o governo
brasileiro é: o que fazer a respeito da Venezuela? A questão vem ao
caso porque a Venezuela se transformou, para a maioria dos efeitos
práticos, numa ditadura. É possível discutir seu estilo, o grau a que
chegou e até o nome que lhe seria mais adequado, mas evitará grande
perda de tempo, nesses casos, quem aplicar uma regra descomplicada e
eficaz: regimes em que há cada vez menos liberdades públicas e
privadas não podem ser chamados de democracia, e, se não podem ser
chamados de democracia, só podem ser chamados de ditadura. Temos aí,
portanto, uma ditadura na porta – e esse tipo de situação não ajuda o
Brasil em nada, nem poderia mesmo ajudar. Regimes como o do coronel
Hugo Chávez são ruins a qualquer distância. De perto ficam ainda
piores.


Sendo as coisas o que são, a primeira providência a tomar diante da
Venezuela é fazer o possível para viver em paz com ela; provavelmente
não há prioridade maior que essa, sobretudo quando se leva em conta o
perfeito desastre que seria o contrário. O segundo mandamento é não se
meter, de jeito nenhum, nas questões internas da Venezuela. O Brasil,
aí, simplesmente não tem de dar palpite. Não tem de dizer como deveria
ser isso ou aquilo, se seria melhor fazer assim ou assado, ou se o
coronel Chávez está certo ou errado. O governo brasileiro, enfim, não
tem de se preocupar com a posição de países que se entendem mal com o
comandante e gostariam de ver o Brasil distanciar-se dele.
Basicamente, as relações entre o Brasil e a Venezuela não são da conta
de ninguém mais; elas devem ser geridas de maneira a atender aos
interesses brasileiros, e, de mais a mais, é o Brasil, e não os
outros, que vive a situação de dividir 2 200 quilômetros de fronteira
terrestre com o presidente Chávez.


E a ditadura do homem? Paciência. O mundo está cheio de ditaduras, e,
se o critério para manter relações corretas com outros países fosse o
teor democrático dos seus regimes, o Brasil estaria levando uma vida
cada vez mais solitária. Ficaria de bom tamanho, assim, se este país
se contentasse em deixar a Venezuela quieta. Mas este país não se
contenta; está sempre à procura de alguma nova oportunidade para
errar, e, naturalmente, sempre acha. Onde o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva está errando, no caso, é que ele se mete, sim, na
vida da Venezuela – só que se mete a favor, o que é tão ruim quanto se
meter contra. Ao fazer militância ativa em favor da Venezuela, a
política externa do governo brasileiro não está passando à população
uma mensagem de convivência civilizada com um regime em que são
praticados valores diferentes dos que estão estabelecidos na
Constituição do Brasil. A mensagem real diz outra coisa: diz que os
valores do coronel Chávez são ótimos. Se o governo Lula não acha isso,
então por que passa o tempo todo dizendo que acha?


Para o presidente Lula, por exemplo, "o que não falta na Venezuela é
liberdade". Considera perfeitamente normal que o comandante Chávez
mude, sem parar, todas as leis que o incomodam, ou que tire do ar
canais de televisão dos quais não gosta, como acaba de fazer mais uma
vez, ou que solte gangues pagas pelo governo para acabar com
manifestações de rua. Não perde nenhuma ocasião, junto com os
estrategistas geopolíticos que tem ao seu redor, de mostrar que Chávez
não é apenas um vizinho – é um aliado, parceiro e amigo. Por que ficam
tão encantados com ele? "Não sou um indivíduo qualquer", disse o
coronel ainda outro dia. "Eu sou o povo." A impressão é que o governo
Lula ouve essas coisas e acredita. Não seria uma surpresa se
acreditasse mesmo, já que acredita, entre outros fenômenos, que a
Venezuela é "um país progressista". Como assim, "progressista", se o
país regride em vez de progredir? Pelas últimas notícias disponíveis,
o sistema Chávez de produção socialista está fazendo faltar papel
higiênico, ovos e açúcar. A inflação real pode ter superado os 30%, a
economia está em recessão e o país tem duas moedas diferentes. Em vez
de fazer aparecer os produtos que estão em falta, o governo estatiza a
escassez; já expropriou um supermercado, assumiu a operação de uma
usina de leite e ameaça com o Exército quem não fornecer ao estado, a
preço oficial, os produtos que quer comprar. A energia elétrica, que
já é estatal, está racionada.


Um modelo de progresso, sem dúvida.

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