terça-feira, fevereiro 09, 2010

Biblioteca classe C - Folha de São Paulo

São Paulo, terça-feira, 09 de fevereiro de 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Biblioteca classe C

SÃO PAULO - Onde funcionava o extinto Carandiru, aquele monumento à barbárie, existe agora a Biblioteca de São Paulo. Foi inaugurada no Parque da Juventude, na zona norte. É um marco histórico.
A cerimônia estava prevista para o meio-dia. Quando o governador José Serra chegou, já eram quase duas da tarde. Fernando Henrique Cardoso, que foi pontual, tinha ido embora. O atraso e o desencontro dos dois sugerem algo. Com imaginação, pode-se tomá-los como metáfora da campanha que se inicia.
Os tucanos são um saco de gatos, disse um convidado. De raça, siameses, emendou outro. Havia, de fato, muito tucano com ares aristocráticos na festa. E entre eles, como um personagem de Woody Allen, o senador Eduardo Suplicy. Mas parecia em casa. É menos um petista do que um radical livre, uma figura fashion do progressismo paulista.
Fiquemos com a biblioteca. O secretário da Cultura, João Sayad, foi o primeiro a dizer que o acervo inicial, de 30 mil volumes, é bastante reduzido. A Mário de Andrade, a maior da cidade, fundada em 1925, reúne mais de 3,3 milhões. Atualmente está fechada, em reforma.
O novo espaço, porém, foi concebido menos para atender à demanda de estudo e pesquisa e mais como isca para a leitura. Seu alvo prioritário não é o público universitário. Best-sellers, lançamentos, revistas, ambiente arejado, pufs coloridos, atrações para crianças, acessibilidade, bibliotecários que devem atuar como vendedores -esse é o espírito que orienta a biblioteca, uma megastore de livros gratuitos.
Sayad -que não é tucano nem petista, mas transita entre os dois mundos- não usou a expressão, mas sua obra pretende fisgar a "classe C cultural". A maior dificuldade, ele disse, foi resistir às dicas dos "especialistas" (os intelectuais).
Somos um país em que a maioria do povo não lê, mal sabe escrever e ignora o que seja uma boa escola. A nova biblioteca não deixa de ser um sintoma da vingança do Brasil de Lula contra a profecia de Oswald de Andrade: a massa quer biscoito. Quem gosta de coisa fina é tucano.

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