quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Cuidado: a rede espiona seus movimentos

Excelente artigo do El País, pois mostra o quanto a excessiva liberdade da internet incomoda quem quer restringir o acesso à informação...
Mas a questão é muito complexa e gera muitas discussões, já que, em algumas situações, a meu ver, é necessária uma espionagem e quebra de sigilos de e-mails ou outro conteúdo restrito, por exemplo, em casos de crimes cibernéticos... No entanto, deve-se tomar o maior cuidado possível ao se tratar desse tema, pois a liberdade de informação e de expressão são um dos pilares de qualquer sociedade democrática...
E outro aspecto interessante é ver que China e EUA utilizam daquele velho argumento para espionar: Segurança Nacional... Essa expressão sempre indica que algo está errado...
Mas também penso que devemos separar cada caso, pois são completamente diferentes.. O Chinês é uma aberração, restringe-se o acesso dos internautas àquilo que o governo julga certo... Já o caso americano é criticável pela doutrina bush de espionagem e "caçada a terroristas", mas não houve restrição de informação...

Esses casos envolvendo liberdade de expressão são sempre muito polêmicos, dando boas discussões... O Al-Qaeda deve ter liberdade de expressão? Um nazista poderia escrever um blog contra os judeus? O Estado deveria proibir livros comunistas?

Eu acredito que qualquer restrição é maléfica, mesmo em casos em que se professe algo claramente desrespeitoso a um determinado grupo... Uma coisa é a discriminação, ou seja, por exemplo, utilizar de um critério religioso/cultural - no caso dos judeus - para impedir que esse grupo transite em um determinado local... Outra coisa é alguém manifestar seus desejos mais insanos contra esse grupo...


Pedrofmn


10/02/2010

EL PAÍS
David Alandete
Sofisticados programas de informática rastreiam mensagens pessoais e blogs protegidos. Não só os regimes autoritários invadem a intimidade

A internet, como rede das redes que ninguém governa, não conhece fronteiras. Mas os regimes autoritários, sim. Países como China e Irã investiram verdadeiras fortunas em tecnologias para restringir a liberdade de expressão em suas conexões à rede. Já não se limitam a fechar páginas ou censurar resultados em máquinas de busca. Agora são capazes de espionar o internauta através de seus provedores de conexão. Leem suas mensagens eletrônicas e blogs restritos e controlam em detalhe que páginas visitam. Essa tecnologia acaba com a intimidade na rede. E não é aplicada só por governos antidemocráticos. Provedores de internet nos EUA a utilizam para combater o que consideram pirataria.


O governo di Irã suprimiu milhares de blogs nos quais jovens reformistas informavam sobre os protestos de rua contra a reeleição do presidente Mahmud Ahmadinejad (foto). Em um país onde não há liberdade de expressão e onde, segundo um relatório de 2008 da Universidade de Harvard, existem cerca de 60 mil blogs, aqueles depoimentos foram uma valiosa janela para o descontentamento social que sacode o regime
Existe na internet uma nova cortina de ferro cibernética, que separa os países que respeitam a liberdade democrática na rede dos regimes que a silenciam para impor doutrinas políticas. Foi o que definiu meticulosamente a organização privada Repórteres Sem Fronteiras, que em um relatório de março do ano passado identificou os 12 "inimigos da internet": Irã, China, Cuba, Egito, Coreia do Norte, Síria, Tunísia, Arábia Saudita, Vietnã, Mianmar, Turcomenistão e Usbequistão.

Um dos métodos mais sofisticados para censurar a rede é usado pelo Irã. O governo desse país suprimiu milhares de blogs nos quais jovens reformistas informavam sobre os protestos de rua contra a reeleição do presidente Mahmud Ahmadinejad. Em um país onde não há liberdade de expressão e onde, segundo um relatório de 2008 da Universidade de Harvard, existem cerca de 60 mil blogs, aqueles depoimentos foram uma valiosa janela para o descontentamento social que sacode o regime.

A detenção de blogueiros é moeda corrente no Irã, e não só desde o ano passado, o das polêmicas eleições presidenciais. Roozbeh Mirebrahimi foi detido em 2004 quando os reformistas ainda governavam o país. Esse jornalista e blogueiro ousou escrever em sua página na web sobre assuntos incômodos para o governo, como as eleições parlamentares de 2004, nas quais o Conselho de Guardiões proibiu que milhares de candidatos reformistas se apresentassem, ou a morte da jornalista canadense-iraniana Zahra Kazemi, em pleno interrogatório pela polícia iraniana.

Mirebrahimi passou dois meses na prisão e foi libertado sob fiança. Fugiu para Paris e foi condenado em ausência, em fevereiro do ano passado, a dois anos de prisão e 84 chibatadas. Hoje no exílio em Nova York, publica em seu blog, IranDarJahan, notícias internacionais traduzidas para o idioma farsi. "Nos últimos anos o governo gastou muito dinheiro para adaptar seus controles às novas tecnologias", explica. "Têm inclusive um exército cibernético para perseguir os ciberjornalistas e blogueiros! Antes não sabiam nada sobre a rede. Hoje é um meio imprescindível para reduzir os reformistas."

Outros não vivem para contar. É o caso do jovem Omidreza Mirsayafi, morto em março passado na temida prisão de Evin, em Teerã. A versão oficial: suicidou-se tomando pílulas para dormir. Sua família, entretanto, disse à Rádio Farda, uma emissora em farsi patrocinada pelo governo americano, que Mirsayafi sofria de problemas cardiovasculares e que seus guardas se negaram a submetê-lo a um exame médico adequado. Morreu encarcerado, possivelmente de uma parada cardíaca.

Em 2 de novembro de 2008 ele havia sido julgado e condenado à pena máxima de dois anos por insultar o falecido líder supremo da revolução, o aiatolá Khomeini, pai da república islâmica. Seu delito: ter escrito dois artigos satíricos sobre seu país em seu blog, Rooznegaar, dedicado principalmente a comentar as artes iranianas.

Segundo ele mesmo disse à organização Repórteres Sem Fronteiras: "Sou um blogueiro cultural, e não político. De todos os meus artigos, só dois ou três foram satíricos. Não quis insultar ninguém". Além disso, Mirsayafi sentia-se seguro porque seu blog era restrito a alguns amigos. Pensava que o governo não pudesse ler seu diário, escrito só para um punhado de pessoas que deviam se registrar e ser autorizadas por ele para ter acesso ao blog. Foi um erro, porque se há algo em que o governo do Irã é sofisticado é em ler mensagens privadas e páginas supostamente protegidas.

Para isso conta com um controle total de suas conexões à internet. Especialistas em segurança cibernética afirmam que o Irã tem uma sofisticada tecnologia conhecida como Inspeção Profunda de Pacotes, que é utilizada por outros regimes irmãos na repressão, como a China, para controlar indivíduos suspeitos.

No verão passado, o jornal "The Wall Street Journal" publicou que as empresas europeias Nokia e Siemens tinham vendido essa tecnologia para o Irã. Um porta-voz das duas empresas nega esse extremo. "Vendemos ao Irã a capacidade de controlar ligações de celulares em redes 2G dentro de um serviço de redes mais amplo", explica. "Não vendemos acesso à internet no Irã, e portanto não podemos oferecer ali a capacidade de interceptar mensagens ou informação na internet." No ano passado, as duas empresas abandonaram seus negócios naquele país.

A verdade é que o Irã pode exercer essa capacidade de inspecionar as mensagens na rede sem a ajuda de empresas estrangeiras, só com o controle estatal das conexões. A internet funciona como uma rede de portos conectados a sistemas autônomos, pequenas redes que se unem em uma grande rede de redes que não é governada por ninguém. Cada provedor de uma dessas redes se compromete a facilitar, em princípio, que cada porto, de seu endereço IP, compartilhe informação (mensagens, troca de arquivos, visitas a páginas da web) com outros portos, em qualquer das demais redes autônomas.

Quando é um governo antidemocrático que controla esses portos, pode interferir na navegação de seus usuários. Pode proibir a comunicação entre dois ou mais portos. Pode desconectar internautas. Ou pode aplicar a censura à vontade, com aqueles sofisticados programas, espionando os pacotes que transmitem informação na rede.

Esses pacotes de informação, chamados datagramas, são como pequenas cartas. Como explicou o engenheiro e pai da Internet David P. Reed ao Congresso dos EUA em julho de 2008, "cada carta tem um envelope que contém uma informação em seu exterior com apenas quatro elementos: um endereço de envio, um remetente, um identificador de protocolo e alguns marcadores que indicam como se distribui a mensagem enquanto é transportada na rede. O conteúdo de cada mensagem é guardado dentro do envelope. Esse conteúdo só é relevante para quem o envia ou recebe".

Em certas redes, como as que os aiatolás controlam, os carteiros têm permissão para abrir os envelopes e lê-los. Simples assim. "O termo 'inspeção profunda de pacotes' foi inventado para descrever sistemas que inspecionam em tempo real e utilizam o conteúdo desses envelopes," explica Reed. "É uma tecnologia que pode ser explicada como os dispositivos que são instalados em caminhões, aviões ou armazéns de empresas de mensagens que podem examinar rápida e eficazmente o que há dentro de cada pacote, com raios-X ou talvez chegando a abrir o pacote."

"É um sistema muito sofisticado de espionagem", explica Justin Brookman, do Centro para Democracia e Tecnologia, que foi chefe do departamento de internet do secretário da Justiça de Nova York. "Há formas muito mais acessíveis de censura, ao alcance de qualquer governo. Por exemplo, a China simplesmente deve dizer ao Google ou ao Yahoo que páginas deve esconder ou que termos silenciar. E, se não cumprirem, ordena aos provedores de internet nacionais que proíbam esses sites."

Depois de um ataque sofrido em seus servidores em dezembro, o Google deixou a China por causa da censura. Demorou quatro anos para tomar essa decisão. E três desde que o jornalista Shi Tao acabou na prisão com a inestimável ajuda de outro gigante da rede americano, também com interesses na China: Yahoo.

Em 2004, o governo de Pequim proibiu por decreto que os jornalistas informassem sobre o 15º aniversário do massacre da Praça Tiananmen, no qual morreram cerca de 3.000 pessoas. Para isso, divulgou uma nota secreta a diversas mídias, entre elas a revista "Atualidade Empresarial", onde Tao trabalhava. Em uma reunião da redação se revelou a existência desse decreto e se anunciou aos jornalistas que era confidencial e não se podia informar sobre sua existência. Depois da reunião, Tao enviou uma mensagem revelando a existência da ordem para Hong Zhesheng, da Fundação por uma Ásia Democrática, em Nova York. Usou sua conta de correio pessoal da Yahoo.


Ativistas do Partido Democrata de Hong Kong carregam mensagens e banners, enquanto se preparam para entregar um abaixo-assinado para o Yahoo! A empresa revelou dados de um e-mail que levou à prisão de Shi Tao, um jornalista chinês que foi condenado a 10 anos de prisão por revelar segredos de Estado, sobre o 15º aniversário do massacre da Praça Tiananmen

Quando o governo chinês pediu à Yahoo informação sobre esse vazamento, a empresa acatou. E não economizou na informação que transmitiu à polícia. Esta é uma prova citada no veredicto da Corte Criminal da província de Hunan, que condenou Tao a dez anos de prisão em 2005, segundo uma tradução da organização privada Global Voices: "Yahoo Holdings (Hong Kong) Ltd., confirma que o endereço IP 218.76.8.201, às 23:32:17 de 20 de abril de 2004, o usuário correspondente se conectou com a linha de telefone 0731-4376362, situada no edifício da Atualidade Empresarial em Hunan; endereço: 2F, Edifício 88, Nova Cidade de Jianxiang, Distrito de Kaifu, Changsa". Mais precisão impossível. Tao já passou cinco anos na prisão.

O Congresso dos EUA abriu uma investigação e a Câmara de Deputados interrogou o então conselheiro delegado Jerry Yang e o conselheiro geral Michael Callahan. "Se os senhores pensam que nossas duas testemunhas estão incômodas hoje aqui, sentadas nesta sala com ar-condicionado e prestando contas pelos atos servis e irresponsáveis de suas ações, imaginem a vida de Shi Tao, que está passando dez longos anos em uma masmorra chinesa por trocar informação publicamente", disse então o já falecido deputado democrata Tom Lantos.

Yang, responsável máximo da empresa, não citou Tao em seu depoimento nem uma só vez. Além disso, disse: "Ainda acreditamos em continuar presentes na China. Por quê? Hoje em dia, apesar das amplas limitações em assuntos políticos delicados, os cidadãos chineses sabem mais que nunca sobre assuntos de saúde pública local, causas ambientais, política, corrupção, direitos dos consumidores, emprego e inclusive relações internacionais".

Enquanto isso, Tao na prisão. E o Yahoo sem poder fazer nada. Em 2005, depois da detenção de Tao, a empresa matriz vendeu a Yahoo China para uma empresa local, Alibaba, da qual por sua vez comprou ações. Hoje é a Alibaba quem censura o Yahoo em chinês, e na sede do Yahoo nos EUA não precisam sequer lavar as mãos, em seu papel de mero "acionista minoritário", como se apresentou Yang - que não trabalha mais na empresa - ao Congresso em 2007.

Para o Congresso americano era fácil então condenar publicamente o Yahoo por sua colaboração com o regime chinês. Mas a classe política dos EUA não achou tão fácil quando o problema apareceu em casa. Em 2005 soube-se que o ex-presidente George Bush autorizou em 2001 a Agência de Segurança Nacional (NSA na sigla em inglês) a interceptar comunicações na internet de indivíduos investigados por supostas atividades terroristas, sem necessidade de autorização judicial prévia. E para isso a NSA contou com a tecnologia de inspeção de pacotes e a ajuda de operadoras de telefonia nacionais como a AT&T.

O programa durou seis anos. Em 2007, Bush ordenou a seu ministro da Justiça, Alberto González, que retirasse aquela autorização da NSA, diante das críticas de políticos e grupos civis. A Fundação Fronteira Eletrônica, no entanto, havia apresentado uma demanda coletiva contra a AT&T em 2006 por violar as cláusulas de privacidade assinadas com seus clientes. Não importou. Antes de deixar a Casa Branca em 2008, Bush assinou um decreto no qual concedia imunidade retroativa às empresas de telefonia que tivessem participado daquele programa. Em 2009 um juiz da Califórnia rejeitou a demanda.

Aquilo, no entanto, abriu os olhos de muitos cidadãos: a imensa maioria dos provedores de internet nos EUA dispõem dessa mesma tecnologia que tantos estragos causa na China ou no Irã. E a utilizam. "Há usos da Inspeção de Pacotes que são legítimos, dentro da lei, como quando a segurança nacional está em jogo ou quando se trata de combater a pirataria ou ataques de hackers. Nesses casos seu uso é legal", explica o advogado Brookman, do Centro para Democracia e Tecnologia.

É verdade que as empresas usam essa tecnologia, mas com fins puramente legais e comerciais, segundo afirmam. Têm acesso a esses envelopes de informação e se descobrem que o usuário está enviando pacotes que contêm arquivos descarregados através de um programa de troca de arquivos P2P, potencialmente ilegais, podem desacelerar a conexão. Fazem isso, afirmam, para poder oferecer serviços de máxima qualidade e para que a rede não entre em colapso, naufragada por músicas e filmes compartilhados ilegalmente.

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A Comissão Federal de Comunicações desautorizou em 2008 um dos maiores provedores de internet dos EUA por esse mesmo motivo, em um relatório: "Fomos encarregados de considerar se a Comcast, provedor de banda larga através de cabo, está interferindo seletivamente sobre certas conexões de programas P2P. Embora a Comcast afirme que precisa fazê-lo necessariamente para combater o congestionamento da rede, concluímos que essas práticas discriminatórias e arbitrárias restringem a existência de uma internet aberta e acessível e não conforma uma gestão de redes razoável".

A professora de direito da Universidade de Santa Clara, Catherine Sandoval considera que se trata de uma prática que acarreta sérios riscos e pode levar a infrações da lei. "A Comcast diz que só tem acesso à informação que está no cabeçalho, nos envelopes desses pacotes, para discriminar qual informação é legítima e qual não", explica. "Mas não pode saber se duas pessoas que trocam arquivos P2P estão enviando documentos de trabalho ou arquivos pessoais, totalmente legais, a menos que entre nesses envelopes e tenha acesso à informação."

"Os provedores de internet estão demonizando uma série de programas, como o BitTorrent, e com isso pretendem fazer o que lhes dê vontade na hora de administrar as conexões que oferecem a seus clientes. E, claro, utilizam uma tecnologia que é usada no Irã e na China para outros fins, e que encerra as possibilidades de inspecionar totalmente as comunicações na rede e infringir a legislação vigente sobre direito à privacidade."

Afinal, inclusive os robôs do Google leem as mensagens eletrônicas que são enviadas e recebidas através de seu serviço de correio Gmail, para incluir nelas publicidade relevante e de suposto interesse para o internauta. O mundo da internet ainda é caótico, com normas vigentes em alguns países e totalmente ausentes em outros. Diversas técnicas de censura vigoram em países totalitários. Mas assumem a forma de controle legal do tráfego na internet em países que respeitam o livre mercado e a liberdade de informação.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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