segunda-feira, março 08, 2010

Democracia em Kelsen

Há uma grande discussão sobre como deve ser entendido a idéia de uma sociedade democrática. Alguns conferem maior peso à idéia de liberdade política e individual, tidas como a base fundamental para a democracia. Já outros afirmam que uma verdadeira sociedade democrática seria aquela que garantisse uma igualdade entre os indivíduos, igualdade não apenas em um sentido material, mas quase como uma idéia ampla de justiça. Tem-se ai aquela velha dicotomia entre democracia formal x material, que parece ser fruto de um mau entendimento sobre o que vem a ser uma democracia.

Hans Kelsen, em seu livro “A Democracia”, defende que fundamento para uma sociedade democrática é a noção de liberdade (com maior relevo para liberdade intelectual) e não de igualdade, já que, como ele ressalta: “ a igualdade material – não a igualdade política formal – pode ser realizado tão bem ou talvez melhor em regimes ditatoriais, autocráticos, do que em regime democrático “ . Assim, dirá Kelsen que com essa noção de democracia ( tendo a justiça como princípio ), “ nega-se simplesmente a diferença entre democracia e ditadura e considera-se que a ditadura postulada realize a justiça social como ‘ verdadeira ’ democracia “.

Para Kelsen, o que ocorre é que muitas das teorias sociais ( não todas, uma vez que existem teorias sociais democráticos, como as primeiras teorias socialistas que defendiam a ascensão do proletariado por vias democráticas ) passaram a defender a substituição da ideologia da liberdade pela da igualdade, desvirtuando esse conceito.

Assim, a democracia deve ser entendida como um método de criação da ordem social, ou seja, como forma de organização. O desvirtuamento surge quando quer se incluir uma noção não apenas formal, mas de conteúdo na democracia.

Como diz Kelsen, de fato a democracia não resolve os nossos principais problemas sociais, já que estes estão em outras esfera e não lhe dizem respeito. Esses problemas devem ser resolvidos politicamente por meio da escolha de qual deverá ser o conteúdo das leis para que vivamos em uma “boa” sociedade.

Embora a obra kelseniana esteja inserida no contexto da guerra fria, onde havia uma maior polarização de ideologias (e observando a grande complexidade e heterogeneidade do quadro ideológico atual), sua obra pode servir como uma boa base argumentativa contra algum as aspirações tidas como democráticas por parte da população brasileira. Entre essas ações, podemos ressaltar a crescente tentativa de se controlar a imprensa, justificando essa medida com base em um monopólio por parte de grandes órgãos de comunicação. Outro exemplo, situado em um contexto diferente, é a proibição (ou não concessão ) por parte do governo Venezuela a emissoras oposicionistas. O que se vê são ações antidemocráticas, uma vez que atingem um dos pilares da democracia, a liberdade intelectual, para se alcançar determinado objetivo social. Procura-se chifre em cabeça de cavalo, já que, não é a democracia que responderá por esses questionamentos, mas sim a sociedade política, organizada – preferencialmente- como democracia.

Um comentário:

  1. Parabéns, Pedro, muito bom o artigo! Além dessas ideias de igualdade e liberdade, podemos adicionar uma noção econômica que de algum modo se aproxima delas: a eficiência. Desse modo, a igualdade completa material talvez não seja o melhor para os agentes no conjunto. Imaginemos por exemplo um economia com só pão e arroz e que todos tenham a mesma quantidade de pão e arroz. Pode acontecer que alguns não gostem de arroz e outros não gostem de pão, de modo que uma quantidade igual de bens é claramente ineficiente - muito melhor seria se fosse possibilitada as trocas até que cada um tivesse a quantidade desejada de cada bem, dada a taxa de troca do mercado. Daí a beleza do mercado capitalista.

    Dessa forma, talvez mais interessante e mais próximo da ideia real de igualdade seria propiciar para todo mundo as mesmas condições iniciais de oportunidades, e deixar as pessoas escolherem livremente o que preferem: trabalhar mais e ganhar mais dinheiro, ou o contrário, por exemplo. Na verdade, democracia e eficiência não são conceitos muito relacionados na verdade,e uma ditadura tanto pode ser eficiente, no sentido econômico extrito, ou não. Mas uma sociedade de livre mercado caminha para um ponto eficiente, mesmo que esse ponto não seja socialmente desejado. Alocar recursos entre as pessoas é inevitável mesmo numa sociedade democrática, no entanto, e o ideal é que se evitasse o menor derespeito aos direitos estabelecidos.

    Em relação à mídia, não sou a favor de qualquer censura, mas acho que formam sim monópolios de interesses, cujo poder vem sendo baqueado pela democratização da informação pela internet e etc, da qual a força popular é exemplo, e o que torna ainda mais impossível a censura. Aliás, como um artigo que mandei outro dia, as empresas de mídia tradicionais estão apavoradas com a ascensão da internet e só vem perdendo dinheiro com esse processo.

    Luís, acho que os "socialistas democráticos" citados eram os utópicos do início do século XIX, que acreditavam numa evolução lenta para o socialismo.

    ResponderExcluir