Chile e Brasil: A difícil transferência de popularidade aos presidenciáveis
Márcia Carmo e Fabrícia Peixoto
De Buenos Aires para a BBC Brasil e da BBC Brasil em Brasília
Lula e Bachelet: personalistas, sedutores e simpáticos
Apesar de registrar índice inédito de aprovação (80%) entre os que governaram o país, a presidente do Chile, Michelle Bachelet, corre o risco de não eleger seu sucessor no segundo turno da eleição presidencial deste domingo.
Pesquisa de opinião da Equipos Mori, divulgada nesta quarta-feira, indicou que o candidato opositor, Sebastián Piñera, da Coalición por el Cambio (Coalizão para a Mudança, em tradução livre), teria 50,9% das intenções de votos e o governista Eduardo Frei, da frente Concertación, 49,1%. Esta pesquisa tem 3% de margem de erro.
Outros levantamentos também sugeriram preferência por Piñera que, se eleito, será o primeiro candidato da direita (ou centro-direita) a chegar à presidência, através do voto, desde 1958.
E o primeiro não integrante da Concertación a assumir o Palácio presidencial La Moneda em 20 anos.
Similaridades
A margem apertada de intenções de voto entre Piñera e Frei não seria registrada se Bachelet tivesse transferido sua popularidade para Frei.
Analistas chilenos ouvidos pela BBCBrasil destacaram a “dificuldade para se transferir votos” e indicaram mais pontos em comum do que diferenças entre os processos políticos e eleitorais no Chile e no Brasil, onde a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, é a candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sua sucessão, este ano.
Eles destacaram que tanto Lula quanto Bachelet governam com estilo “personalista”, têm histórias de vida que "seduzem" o eleitorado e são vistos como mais “simpáticos” do que seus candidatos.
A ressalva nesta comparação entre Chile e Brasil foi feita pelo cientista político Patricio Navia, da Universidade Diego Portales.
“No caso do Chile não foi a Bachelet quem definiu o candidato. Foi o partido. No caso brasileiro, a decisão pela candidata Dilma foi do presidente Lula. Ele é muito popular e tentará transferir essa popuparidade. Bachelet e Frei, por exemplo, nunca foram próximos”, disse.
Navia lembrou que Frei foi crítico do governo de Bachelet, no início da gestão.
No caso brasileiro, interpreta ele, a transferência de votos pode ser mais fácil do que na situação chilena, mas ainda assim pouco provável.
“A ministra Dilma é uma protegida política do presidente, diferentemente de Frei em relação à presidente chilena”, destacou.
Segundo ele, votar no Lula não significa que o eleitor votará, por exemplo, "numa filha dele".
Navia e o também analista político Ricardo Israel, da Universidade Autonoma, observaram diferenças de estilo entre Bachelet e Frei.
“Ela é mais simpática e carinhosa e Frei é seco, de poucas palavras”, disse Israel.
Fenômeno similar poderia ser visto no Brasil em relação a Lula e Dilma, como observou Israel.
Esta transferência de votos se tornaria difícil, principalmente, porque Lula e Bachelet “personalizaram” a política, afirmaram, por sua vez, a analista Marta Lagos, da Equipos Mori, e o cientista político Guillermo Holzmann, da Universidade do Chile.
Lagos criticou este estilo, por não deixar espaço para a “oposição” e os “partidos políticos”.
“Os presidentes na América Latina, especialmente Lula e Bachelet, que se transformaram em presidentes poderosos, mostram a força e a fragilidade do sistema político. Não é normal um presidente com 80% de apoio popular. Significa que este país tem um presidente forte demais e que a democracia não funciona muito bem. Numa democracia são necessárias as diferenças e discussões profundas com a oposicao”, disse Lagos.
Holzmann observou que Lula e Bachelet não transferem votos para o seu candidato porque optaram pela “comunicação direta” com a cidadania, sem interlocutores.
“Eles construíram uma imagem pessoal bem administrada e que os mostra mais eficientes do que os partidos políticos que hoje não possuem uma clareza ideológica e capacidade para vincular-se com a cidadania”.
O resultado é que o eleitor apoia este presidente, mas não se vê identificado com seu possível sucessor.
Além disso, ressaltam Lagos e Holzmann, a história pessoal de Lula e de Bachelet “é única” e nada se parece com a de seus representantes políticos na disputa eleitoral.
“A diferença de trajetórias é muito grande. Frei foi presidente do país (1994-2000) e seu pai foi presidente (Eduardo Frei Montalva).
Bachelet é mais jovem. Ela não é da velha guarda da política”, afirmou Lagos.
Israel acha que a “história de vida” de Lula e Bachelet “levou” os eleitores a “se idenficarem com eles”.
Segundo Israel, Lula, por suas “dificuldades sociais”, e Bachelet, “por questão de gênero”, acabaram “seduzindo” o eleitorado.
Ele pensa ainda que os dois líderes atuaram mais como “chefes de Estado” do que como “chefes políticos”, com forte enfoque na política externa e adminsitrações que permitiram efeitos menores da crise internacional na economia local.
Para Israel, o desafio de Lula e Bachelet será manter esse apoio quando já estiverem fora do poder.
Ele lembrou que o ex-presidente Ricardo Lagos, antecessor de Bachelet, deixou a presidência com mais de 60% de apoio popular.
Na ocasião, não transferiu essa popularidade a sua sucessora, que foi obrigada a disputar o segundo turno das eleições.
“Mas Lagos perdeu aquele respaldo porque não teve apoio suficiente para ser o candidato da Concertación para voltar à presidência”, disse Israel.